Acidez e mariposas
Já é noite, choveu à tarde, o asfalto molhado da avenida reflete as luzes vermelhas da lanterna dos carros. A luz dissipa pelo chão como vapor, desenha figuras obtusas em círculos concêntricos que se espalham rudemente. O rumor produzido pela borracha dos pneus é inconfundível, imprimem uma velocidade própria à noite. Gente passa de todas as formas, as calçadas alongadas abrigam rostos ocultos em histórias jamais contadas, contos jamais ouvidos. Angustia e opressão ácidos tornam corpos objetos típicos da noite. Pessoas passam, pessoas vêm e passam, num caminhar que é quase uma dança de uma música surda que ecoa do interior dos bares, perfume ácido dos bares. Bares com luzes que piscam incansavelmente ao ritmo de música barata, amor barato de uma noite úmida e doce, porém ácida. Corpos e rostos são como larvas que rastejam correndo a avenida pelos bares, visitando cada beco escuro. À noite na cidade têm luzes, uma profusão de vaga-lumes que se esmagam em uma dança torpe. Têm luzes como estrelas que flutuam pela cidade, não nos becos de eternas sombras onde o medo como ácido corrói mentes e corpos. A noite na cidade é de solidão, gritos são sons sem eco como sombras sem luz, são vozes que jamais falam. O homem da noite como verme segue rastejando no chão molhado de luzes vermelhas. Corpos e rostos são solidão e medo, pessoas na calçada são quase não pessoas, são seres da noite como personagens de contos, são pessoas tão frágeis quanto incertas. As ruas e avenidas tocadas pelas luzes se espalham num desenho perfeito, porém incerto, as esquinas com seus ângulos retos não são exatas. A única logica possível é o da sedução paga, do amor barato nas esquinas não exatas. Pessoas sem história e sem cara são mercadoria, são produtos em avenidas como prateleiras que se alongam pelos corredores da Cidade. Os que passam, os que vêm e passam, são tão iguais! As sirenes são sinais, carro de polícia, ambulância, as sirenes são sinais do medo. Imprimem uma trilha sonora típica do medo, da incongruência típica de quem observa a noite das janelas dos apartamentos. Os passos apressados são passos de quem tem medo, de quem corre como mariposa pelas calçadas à procura de um naco de luz. Quem são os seres da noite? Seriam as larvas que rastejam pela luz do asfalto à procura de becos escuros. Da porta dos bares que decoram as calçadas, o som da música barata traz à tona os que habitam a noite. Bêbados, larápios, rufiões e prostitutas, vítimas ou algozes, toda a sorte de serpentes vêm. Exalam o perfume ácido da noite e compõem o cenário de medo para muitos que correm como mariposas. Mas mariposas só voam à noite.
Gladyston Costa Gladyston Costa
Enviado por Gladyston Costa em 12/06/2018
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