O homem maçãDesde que Karl Benz colocou motor em carroça e mais tarde Henry Ford inventou a produção em série, o automóvel ganhou ares de comoção social, todos querem um “carrinho” para, entre tantas finalidades, passear, namorar, trabalhar, ir ao litoral, etc e tal.
Tudo bem, cabe dizer que ao colocar logo acima automóvel no diminutivo não foi por desdém, o inho no final é simplesmente porque o automóvel, quando adiquirido, passa a fezer parte das família, como mais um membro. Assim temos o pai, a mãe, os filhos e o carrinho.
Dentre tantas outras, o automóvel é só mais uma das maravilhas tecnológicas desde o advento da ciência contemporânea. Na esteira da vida pós moderna, coisas como elevadores, escadas rolantes e controles remotos inauguraram o conforto e com ele o sedentarismo crônico.
Nesse balaio, a indústria alimentícia tornou a comida dantes tão natural, em coisa pré-mastigada, pré-digerida e cheia de sais, açúcares, gordura hidrogenada, conservantes, espessantes, odorizantes, corantes e eticeterantes. Mas, estou por assim dizer, apenas tentando ganhar espaço para rascunhar sobre um tema que muito chama atenção.
O surgimento do homem maçã.
Por esses dias, à beira mar, nas vésperas do réveillon, andava por uma dessas praias do litoral norte Paulista e foi taxativa a impressão, em primeira vista, de um tipo de homem muito comum na atualidade.
Oras, uma multidão postada à praia de fio dental ou bermudão, aquela gente toda expondo a sua obra de arte mais particular, corpos pelados à mostra tento o mar como pano de fundo.
O que se vê então?
À guisa da vida sedentária e do alimento hiper processado, do mesmo modo em que se molda o barro no torno, para que se faça surgir o vaso de cerâmica. Surge na esteira da indústria da pós modernidade um tipo de homem produzido em escala industrial.
Falo aqui, sem qualquer tipo de pretensão científica ou filosófica. Mas, sem dourar a pílula, vamos lá, eis que o homo sapiens retilíneo, em larga medida, vem produzindo o homo sapiêns maçã. Sim, é o mais próximo que consigo chegar quando vou à frutaria buscar do mundo vegetal, o formato de fruto mais apropriado para fazer a presente analogia.
Poderiamos tentar jaca, goiaba, pera ...mas maça é bem popular e fica bem.
Muita gente, muita gente mesmo! De forma crescente, nos últimos anos, tem lançado mão dessa maravilha da indústria automobilística, o “carrinho”, para praticar uma mania nacional que é pular 7 marolas na virada do ano. O que se tem visto então, no apagar das luzes do ano, é a quase ausência de espaço na faixa de areia das praias mais populares.
Uma multidão corre às estradas para ganhar a beira mar, congestionamentos quilômetros dão bem a tônica do que é esse momento, automóveis se multiplicam à enésima potência sobre o leito carroçável, numa procissão a cujo santo no andor tem nome certo, o bigoduto Karl Bensz.
Dentre a multidão desfilando sobre a faixa de areia, nos becos e nas ruas das cidades praianas, fica evidente a presença do homem maçã, um tipo muito comum, popularizado, massificado, ocupando a paisagem de forma soberana.
Ele, o homem maçã, caminha pelo labirinto humano conduzindo sobre um par de pernas fragilizadas uma escultura no formato da referida fruta, portando peito flácido. Uma verdadeira obra de arte da vida pós moderna a oferecer ode ao sedentarismo e às guloseimas produzidas em escala crescente pela indústria alimentícia.
Assim tem sido.
Gladyston Costa
Enviado por Gladyston Costa em 04/01/2024
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